Cora Coralina, pseudônimo de Ana Lins
dos Guimarães Peixoto Bretas, (Cidade de Goiás, 20 de agosto de 1889 — Goiânia,
10 de abril de 1985) foi uma poetisa e contista brasileira. Cora Coralina, uma
das principais escritoras brasileiras, publicou seu primeiro livro aos 76 anos
de idade.
Mulher simples, doceira de profissão,
tendo vivido longe dos grandes centros urbanos, alheia a modismos literários,
produziu uma obra poética rica em motivos do cotidiano do interior brasileiro,
em particular dos becos e ruas históricas de Goiás.
Senhora de poderosas palavras, Ana escrevia com
simplicidade e seu desconhecimento acerca das regras da gramática contribuiu
para que sua produção artística priorizasse a mensagem ao invés da forma.
Preocupada em entender o mundo no qual estava inserida, e ainda compreender o
real papel que deveria representar, Ana parte em busca de respostas no seu
cotidiano, vivendo cada minuto na complexa atmosfera da Cidade de Goiás, que
permitiu a ela a descoberta de como a simplicidade pode ser o melhor caminho
para atingir a mais alta riqueza de espírito
Foi ao ter sua poesia conhecida por
Carlos Drummond de Andrade que Ana, já conhecida como Cora Coralina, passou a
ser admirada por todo o Brasil.
Seu primeiro livro, Poemas dos Becos
de Goiás, foi publicado pela Editora José Olympio em 1965, quando a poetisa já
contabilizava 75 anos. Reúne os poemas que consagraram o estilo da autora e a
transformaram em uma das maiores poetisas de Língua Portuguesa do século XX. Em homenagem a todas as mulheres, um poema de Cora:
Todas as vidas
Cora
Coralina
Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...
Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho,
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.
a lavadeira do Rio Vermelho,
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
– Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos.
Seus vinte netos.
a mulher roceira.
– Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos.
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fado.
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fado.
Todas as vidas dentro de
mim:
Na minha vida –
a vida mera das obscuras.
Na minha vida –
a vida mera das obscuras.
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